A fotografia basta para saberem como é bonita. Basta para saberem o quanto gostamos dela.
Esta jovem, cuja idade não vou desvelar, é a minha, a nossa Avó Vitalina.
A fotografia bastava, mas eu não consigo não contar mais um pouco.
A avó Vitalina era sempre aguardada com muita expectativa lá em casa, e era um pagode dormir com ela numa cama feita no chão (um pagode para mim - ela não dormia nada, porque eu dava demasiados pontapés).
A avó Vitalina amornava-me sempre leite numa pequena chávena (branca com uma risquinha roxa e um malmequer) e adoçava com uma colher de açúcar - à noite, em pleno Verão.
A avó Vitalina tinha sempre coisas novas nos armários para eu explorar a cada visita à Cova da Piedade. E a despensa era um lugar fascinante.
A avó Vitalina levava-me cedo para a praia todos os dias entre Julho e Agosto (todos os dias não; o avô Manel partilhava esse tacho com ela). "Verinha, vamos apanhar o autocarro a Cacilhas, que ainda há lugares para irmos sentadinhas". E cada dia representava um risco novo feito num papel reutilizado. "Filha, sabes quantos dias já foste à praia? 20! Temos de contar ao teu pai quando ele ligar logo à noite."
A avó Vitalina tem medo do mar e água pelos joelhos já era um abuso; para me afastar da ondas, levava uvas para a praia.
A avó Vitalina tem uma paciência....
A avó Vitalina sabe que o meu gelado preferido é o de pêssego que ela faz.
A avó Vitalina gosta de café com leite, acompanhado de pão e queijo, e adora azeitonas, mesmo que vá repetindo entre cada caroço "Não posso, que elas fazem mal!"
A avó Vitalina domina os transportes da TST e Carris como ninguém, e ensinou-me a conhecer Lisboa pelos números das carreiras.
A avó Vitalina levantou-se todos os dias, durante os seis anos que estudei na faculdade, para me perguntar se precisava de alguma roupa passada ou se queria que me fizesse o Nestum do pequeno almoço (sim, eu comi Nestum Mel até aos 23 anos!!)
A avó Vitalina é a mulher com mais sentido de marketing natural que conheço e é uma vendedora de Tupperware como não haverá outra.
A avó Vitalina finge não perceber quando lhe dizemos que não queremos mais comida no prato, mas é, na verdade, uma ouvinte extraordinária e muito sensata.
A avó Vitalina é uma mulher-menina que ainda gosta de brincar ao Carnaval como gente pequena, com máscara, com pastéis de grão "marotos" e muitas estórias de carnavais antigos para contar.
A avó Vitalina é um exemplo de boa disposição, e tem uma gargalhada e uma capacidade de rir de si mesma que é invejável.
A avó Vitalina nunca pensou ter uma neta emigrante. E como tem medo de andar de avião, só lhe posso mostrar por fotografia "como é que é lá".
A avó Vitalina é muito mais do que isto, no passado e no presente. E não o é só para mim.
A avó Vitalina tem ao lado um avô Manel, e são uma dupla capaz de me fazer escrever uma lista bem mais longa do que esta.
Parabéns, avó Vitalina!
terça-feira, 27 de outubro de 2015
sábado, 24 de outubro de 2015
Telenovela brasileira e código da estrada
Não consigo localizar no tempo, mas sei que na minha infância passou uma telenovela brasileira em horário nobre onde se repetia a frase "Mininos, eu vi!!..." A recordação tomou-me de assalto (que lugar comum, Deus nos livre!) quando, na Suécia e à luz do dia, um automobilista trai deliberadamente o compromisso com um sinal vermelho.
Estou a falar-vos de um cruzamento de respeito que, por mero acaso, naquela ocasião não tinha muito movimento. O dito condutor deteve-se, na verdade, à luz vermelha por uns segundos; mas vai daí, talvez achando que o tempo não é para ser desperdiçado a obedecer ao código da estrada, pisa o perigo e o acelerador e entra no cruzamento.
Não, ninguém me contou. Não houve vítimas. Passou depressa. Mininos, eu vi!
Estou a falar-vos de um cruzamento de respeito que, por mero acaso, naquela ocasião não tinha muito movimento. O dito condutor deteve-se, na verdade, à luz vermelha por uns segundos; mas vai daí, talvez achando que o tempo não é para ser desperdiçado a obedecer ao código da estrada, pisa o perigo e o acelerador e entra no cruzamento.
Não, ninguém me contou. Não houve vítimas. Passou depressa. Mininos, eu vi!
A clementina perfeita
Comprei umas tangerinas no supermercado esta semana. Porque gosto mais da palavra clementina, vou chamar-lhes antes assim. Que eu saiba, não há nenhuma autoridade que possa processar-me por alteração de entidade de um citrino.
Comprei, portanto, clementinas. No pensamento tinha a imagem, desejada ao microscópio, do momento em que a unha dum polegar ajuda a sulcar o primeiro pedaço irregular da casca - a clementina perfeita, nesse instante, vaporiza gotas de sumo quase imperceptíveis e exala um perfume que perdura, por uma breve eternidade, na ponta dos dedos.
Depois, a antecipação dos gomos - terão caroços? E a seguir, a degustação: uma espécie de cerimonial onde o sabor me deveria levar a um dia de Outono no Alentejo.
As clementinas que comprei não eram perfeitas. Mas ir ao supermercado pode proporcionar um passeio de fenómenos estéticos que pelo menos quatro sentidos podem saborear.
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