Estive em casa doente. Uma gripe. Seis dias, quatro dos quais perdidos na falta de energia, nos montes de lenços de papel usados, nas canecas sujas de chá com mel e gengibre. E proibida de falar, porque tudo começou com o sintoma ingénuo de voz arranhada. Mal sabia eu!
As minhas cordas vocais e eu temos andado em desarmonia; adoramo-nos e precisamo-nos, mas tem sido difícil conciliarmo-nos. Não tenho nem a profissão nem o tipo de gostos que se façam sem voz.
O resto do boletim clínico não importa agora. Estou melhor, e amanhã já vou trabalhar. Mas o que me traz de volta ao blogue aconteceu nestes dias de fastio - isso sim, é o que quero partilhar.
Se eu aqui colar uma coisa que tenho escrita:
Egenmäktigt
förfarande – en roman om kärlek
Comportamento arbitrário /Obstinação – um
romance sobre o amor
de Lena Andersson (2013, vencedora do
prémio literário August de 2013)
Uma pessoa
chamava-se Ester Nilsson / Ester Nilsson era o nome de uma pessoa. Ela era
poetisa e ensaísta com oito cadernos densos/compactos publicados aos trinta e
um (anos.) Intransigentes segundo alguns, lúdicos/divertidos segundo outros,
mas a maioria nunca tinha ouvido falar dela.
Com uma precisão assombrosa, ela via
a realidade a partir da sua consciência e vivia na ambição de que o mundo era
tal qual ela própria o via/sentia/experienciava. Ou, melhor dizendo, que as
pessoas eram feitas de tal modo que viam o mundo tal como ele era, desde que
estivessem atentas e não mentissem a si mesmas. O subjectivo era o objectivo e
o objectivo era o subjectivo. Em todo o caso, era assim a sua demanda/ era este
o seu esforço /era esta a sua busca.
Ela sabia que a busca de igual
precisão na linguagem era como um espaço trancado/fechado, mas procurava ainda
assim, porque qualquer outro ideal tornava a demanda demasiado simples para os
batoteiros e negacionistas do intelecto; aqueles que não eram suficientemente
meticulosos para compreender a relação entre os fenómenos e como eles se faziam
representar pela linguagem.
Ela era, não obstante, obrigada a
ver uma vez após outra que as palavras mantinham uma aproximação. Do mesmo modo
que o pensamento, o qual apesar de construído por percepções sistematizadas/sistemáticas
e linguagem, não era tão confiável como fazia parecer.
As lacunas terríveis entre
pensamento e palavra, vontade e expressão, realidade e irreal, juntamente com o
que cresce/se desenvolve no meio desses hiatos – é disso que trata esta narrativa.
Desde que Ester Nilsson aos dezoito
anos de idade se apercebeu que a vida, ao extremo, corre para afugentar o
tédio e, apontando nessa direcção, descobriu pelos próprios meios a linguagem e
as ideias, nunca mais tinha sentido infelicidade, nem sequer um vulgar/normal
abatimento/tristeza. Ela trabalhava permanentemente com a descodificação da natureza
do mundo e das pessoas. (…)
Tinha vivido assim treze anos, mais de
metade do tempo em relação harmoniosa e tranquila com um homem que tanto a
deixava em paz como satisfazia as suas necessidades físicas e mentais.
Depois, recebeu um telefonema.
Isto é um rascunho muito rascunho, um alinhavo grosseiro de uma tradução. Há frases cuja tradução mais fiel e/ou correcta ainda nem consigo decidir. Seria/Será o capítulo 1 de um livro lido há uns meses. Adorei! Mais que antes, percebi o quanto ainda tinha a aprender da língua sueca. Mais que antes, dei-me conta da beleza e da clareza de imagens que esta língua pode transmitir. Mesmo quando preciso de consultar frequentemente o dicionário e recomeçar um parágrafo inúmeras vezes.
Isto é, para já, um trabalho de casa ou um passatempo para aconchegar o Outono que começou. Mas se em alguma altura tomasse forma de um projecto mais sério... Vejamos: se tirasses de uma estante um livro que começava assim, querias saber mais?
Atento ao teu blogue, ao teu aborrecido recolhimento e, agora, a esta tua aventura de tradutora de sueco literário. Proud of you, (as usual)!
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