sábado, 21 de janeiro de 2017

Desculpem, esta superfície estava demasiado vazia


Em posts anteriores, tanto aqui como no Facebook, tenho feito algumas tentativas de desconstruir a ilusão de a Suécia ser um país "uau, que civismo impressionante!" Não é uma questão de falta de reconhecimento a esta minha terra adoptiva, também não é mau feitio; é mais um desgostar de estereótipos que, não raras vezes, embaciam a realidade e até tornam difícil a comunicação.

A propósito disto, sei que já partilhei fotos de paragens de autocarro cujas lei e ordem são - não importa agora por quem nem porquê - importunadas. De uma maneira geral, a palavra a usar seria vandalismo, indubitavelmente reprovável, certo?

Bom, parece-me que depende. Se considerarmos, por exemplo, líderes mundiais ou outras pessoas em cargos relevantes que não pedem por norma desculpa depois de erros cometidos, então diríamos que há melhor esperança para o "vândalo" (ou "vândala") que emporcalhou esta paragem de autocarro. Apresenta desculpas, usa dois idiomas (multiculturalismo fica sempre bem), escreve sem erros e sabe usar sinais de pontuação.

Desculpem, esta superfície estava demasiado vazia (aborrecida...)


Vamos lá ver uma coisa (dois pontos)...

A frase é corriqueira e tem uma certa presunção de explanar ou clarificar alguma ideia mais complexa. Mas a intenção com que a uso é a cunhada pelo Ricardo Araújo Pereira, tentando dar a algo anedótico ou banal o tom de "faz-de-conta-que-percebo-um-pouco-disto".

[Já agora, uma expressão pode ser cunhada por alguém, mas não se ouviu a ninguém dizer uma expressão sogra ou genro por alguém... Porque realmente não faz sentido nenhum usar outros graus de parentesco. Ãh?! O quê?! :D ]

Vamos lá ver uma coisa: mudámos de ano. A mim, já é a trigésima sexta vez que isto me acontece, e um dos dados adquiridos destas transições é que não há como impedi-las de continuar. Umas vezes com expectativas sobre o Mundo, outras com expectativas sobre mim mesma, outras ainda sobre ambos e não só - mas tanto quanto 2 mais 2 são 4, assim se sabe que a 1 de Janeiro recomeça tudo, ainda que tudo pareça na mesma.

Por razões que nem num blog confesso, saí de 2016 e entrei em 2017 particularmente consciente de mudança. Aquela que já existe e é só preciso tornar mais visível; e aquela que ainda não está bem engrenada, mas que se deseja. É uma consciência boa, um sentimento bom.

No entanto, vamos lá ver outra coisa: é que neste acesso de consciência, noção relativamente clara de que tudo o que pode correr bem, correrá bem, surge a verdadeira lei de Murphy que promete deitar por terra uma parte disso. Há, por exemplo, um presidente novo nos Estados Unidos, que entra, para mim, na mesma categoria de "Não acredito nisto!!" que o Cavaco Silva - só que em muito pior. É como se eu não conseguisse sequer encaixar o facto de o homem estar de gravata vermelha, mão sobre a Bíblia sobre as mãos da esposa de ar infeliz, a jurar coisas. Sinto mais verosimilhança n' Os Pássaros do Hitchcock ou na saga Star Wars do que naquele momento televisivo de ontem à noite.

Vamos lá ver uma coisa: o que eu acho não faz diferença nenhuma ao Trump nem a outra entidade qualquer, mas eu, pronto, tinha isto aqui entalado. Além disso, há um gesto com a mão que o senhor Trump faz com bastante frequência que parece mesmo indicar um "vamos lá ver uma coisa". Prefiro o Ricardo Araújo Pereira, de longe!!

Ah, antes que passe o propósito - Bom Ano para todos!


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

"Catch-22" ou a espera pela identidade


Não vou fingir que conheço bem o livro de Joseph Heller, Catch-22. Na verdade, agora mesmo fui ler um daqueles breves resumos que ficam à distância pouco erudita de um clic. Porém, o facto é que em 2011, quando vim para a Suécia, e sempre a propósito dos labirintos burocráticos em que me via perdida, havia quem me falasse de um tal "momento 22" - tradução sueca de um romance satírico e absurdo que, por exemplo, espelha puzzles irresolúveis de organizações e serviços públicos. Eu chamar-lhe-ia, em analogia piscatória e muito menos literária, uma pescadinha-de-rabo-na-boca.

Eis que cinco anos mais tarde, por culpa de experimentar e (talvez) comprar um par de sapatos, me roubaram do bolso do casaco o telemóvel e documentos, atirando-me de volta, anacronicamente, para um momento 22. E nele estive sem identidade durante uns dias. Posso contar-vos que, para atestar que Eu era (sou) Eu, foi preciso pedir ao meu chefe que me acompanhasse às finanças e que esperasse comigo uma hora na fila.

Neste momento, regresso à lux da existência formal. Entregam-me, cintilantes, novos cartões do banco (como é que se vivia antes?) e estão pedidas segundas vias de documentos essenciais. No entretanto, valeram-me amigos e conhecidos disponíveis e generosos.

O telefone esperto, um companheiro prático mas também um consumista desenfreado de tempo (do meu tempo, pelo menos), esse vai continuar na escuridão. Ou seja, não vou para já tratar de adquirir um novo. Vou antes tentar reinventar formas de comunicar. Não se admirem se vos enviar postais ou até mesmo corvos com mensagens. "Winter has come", até podem ser corvos brancos.
[ Está alguém aí perdido nesta última referência? É porque não vê o Game of Thrones ;)  ]

Enquanto estas duas dezenas e pouco de hiato iam passando, veio mesmo o Inverno. Um bom desbloqueador de conversa, aliás, para filas de espera. É também uma espécie de anacronismo (o segundo relatado neste texto) se tivermos em conta o longo Verão que, ao mesmo tempo, ainda se fazia sentir em Portugal.

Já caíram dois dias de neve, mágico à primeira vista. Tocada a vento, varre-se-lhe a magia. É Novembro e os graus negativos não parecem ter vergonha de chegar.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Colheita e gramática


Por piada, podia dizer que fiz no quintal uma colheita E PÊRAS. Mas na verdade é uma colheita DE TOMATES. Ou seja, nem o substantivo nem a conjunção servem a realidade. 
Da série: Posts Idiotas no Facebook.

Constatação confessional (ou assim)

Sou naturalmente preguiçosa, ponto  É uma inclinação genuína.

Sabe-me bem a ideia, e a realização não menos, de nada fazer. É um ócio tentador que se instala muito aos Domingos, curiosamente, mas não só. E tal como as cerejas nas conversas, a vontade de fazer nenhum e "bara vara" (do sueco "apenas estar") tem um contágio fácil e rápido - quanto mais lanzeira, mais lanzeira. Percebem?

No pior dos cenários, há um desejo que morde de que o tempo não avance ou que a semana não comece, por qualquer fenómeno inefável da física.

Há, porém, uma contradição genética qualquer que ocorre, e instala-se-me simultaneamente um desassossego. Não há minutos a desperdiçar, há tantas coisas a que é preciso dizer que sim!

Dito isto, partilho um texto de Miguel Esteves Cardoso a que tirei uma foto em Junho - o início do meu período de férias e mandriice por definição.
[Espero que dê para ler. Se não der, fica pelo menos a referência.]


Confessado o meu paradoxo de fazer-não-querendo e não-querer-não-fazer, resta dizer que daqui até ao Natal são poucos os fins de semana inteiramente disponíveis para preguiça, ou melhor, descanso perfeitamente legítimo. Das semanas de trabalho nem se fala. Mas contando que não me faltem horas essenciais de sono e uns instantes ao serão para ver episódios da magnífica Guerra dos Tronos, não há problema. 




quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Originalmente, um post de Facebook

Antes da uma passei ali numa daquelas ruas, sabem? Cheirava ao almoço bem temperado de alguém, também às sardinhas que ainda iam assar e aos pimentos já assados de outro vizinho, e a gulodice da porta ao lado denunciada por um bolo que suspeitei de côco. Naquela rua, comeu-se bem hoje. 


De cheiros e sabores me regalei nestas semanas. Os cinco sentidos generosamente nutridos pela luz, pelas cores, pela fruta que escorreu em sumo pelos dedos... 


Mais que tudo, o coração vai cheio e mimado, surpreendido até! 

Foram umas férias de mãos e pés pequeninos, de narizinhos perfeitos, de olhos iluminados, de sorrisos e risos contagiantes, de brincadeiras no jardim, de gestos e palavras como quem está em constante descoberta - que filhos maravilhosos que vocês têm e, UAU, que BOM eu poder receber um pedacinho desse Amor!! Adorei ver os miúdos, e não menos gostei de estar com os graúdos OBRIGADA pelo vosso tempo e pela companhia, obrigada por serem! 🌼 Se não nos vimos, não foi falta de vontade ou de saudade, foi o tempo que encolheu mesmo diante dos nossos olhos. Fica a promessa, pelo menos o desejo, de que o próximo reencontro virá em breve.

Nisto, Julho foi-se. Agosto, descaradamente quente e convidativo, chega e leva-vos para férias. Já já ou daqui a nada. A mim, leva-me de volta ao norte, onde o Verão parece ainda estar em cena também. Mas eu sinto uma espécie de neblina, porque a despedida tira a clareza. No entanto, a calma volta depois e "tudo está bem quando acaba bem". Em Västerås, se fechar os olhos, não perco de vista canto nenhum de rua nenhuma; sei como é que o nosso sol bate ao fim da tarde na parede caiada ou na areia espelhada pela maré que baixou; revejo as andorinhas em desassossego alentejano; oiço as cigarras quase em coro com as ondas, e pela água os lugares fundem-se, sem conflito. Lá e cá, é estar em casa.
Agora, como há cinco anos: até amanhã! 🍀🌟

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Melhor, só se fosse sobre Lisboa

Saltamos de Janeiro para Maio, já repararam?
Eu e os interregnos! (Já agora, "interregnos" transportará alguma arrogância no seu sentido? É que "entre reinados" não se aplica por aí além à não-realeza da minha pessoa. Adiante! ;)  )

Como é hábito, muito acontece nestes períodos da minha aparente ausência. Não me vou dar a sumários, estou só numa pausa para xixi e café. E uma olhadela pela janela.



Na verdade, estou para aqui entretida com a correcção de exames de expressão escrita sobre actos de bondade aos olhos de adolescentes, e às tantas o inglês entranha-se tanto que preciso de escrever em português por um instante, só para garantir que ainda sei como.

Vem isto como desculpa para partilhar a minha janela, um dos detalhes favoritos da casa onde passei a viver há uma semana (parece-me que ainda sei qual o há / à a usar...).

Bons amigos, um pouco de sorte, tinta, pincéis e bastante suor - a receita para me mudar para um bairro adorável, tranquilo, com crianças que brincam livremente na rua mas que mal conseguem rir mais alto que o chilrear dos pássaros em êxtase com a Primavera. E a minha janela é a moldura.


Há outras janelas cá em casa, vejo outras explosões da natureza da sala ou da cozinha, e por ser Maio, de cada vez que espreito é natural que tenha nascido uma folha ou uma flor nova. 


Para além de mim e de colegas meus, que neste mês labutamos contra pilhas de património intelectual dos alunos, as mais trabalhadeiras são as abelhas e outras aparentadas zumbidoras ameaçando uns voos aqui para o lado de dentro. Mas tento ignorar, até para não começar numa espécie de "dança do enxotanço" que, de resto, os vizinhos poderiam ver através da dita janela - e quem acabaria mal vista seria eu.

E assim termino: gosto muito da minha janela. Noutras estações, não poderei deixá-la aberta, mas verei as cores e as novas tendência da natureza desfilar.

Melhor, só se a minha janela fosse sobre Montemor ou Lisboa.