quinta-feira, 29 de setembro de 2011

... e os Salteadores da Carta Perdida


Como? Não era este o título do filme?!
Isso sei eu! Este meu filme tem muito mais que se lhe diga.
Então não é que me anda perdida uma carta importantíssima!?! Olha qu'isto!
Em síntese, que a história já não é nova para muita gente: na Suécia, é indispensável ter um Número Pessoal, mas a atribuição do mesmo a cidadãos de outras nacionalidades está dependente de umas quantas condições. Eu ando atrás dos benditos dígitos desde que cá cheguei.
Acontece que, há umas semanas, tive a fortuna de conhecer uma funcionária impecável nos serviços de migração, que prometeu aprovar rapidamente a minha autorização de residência na Suécia e, com isso, acelerar também o processamento do número. Que ficasse descansada, que ela compreendia bem a minha situação de impasse, e dentro de poucos dias tudo se resolveria com uma carta capaz de me fazer dar passos fundamentais!
Pois não é que a carta anda a monte há quase 2 semanas!?!
Dizia a minha Mimi: «Oh filha, mas se a carta já foi emitida, isso é uma luz ao fundo do túnel!»
Eu creio pouco no fundo do túnel... Parece-me que a carta anda mais no fundo do saco de um carteiro desorientado.
Isto não é insólito. Não me custa imaginar o mesmo tipo de narrativa protagonizada pelos CTT. Mas seja em que lugar do mundo for, chateia! Há várias coisas dependentes desta carta e do Número.
Dizem-me que o Post sueco pertence, parcialmente, à Dinamarca e que, de facto, é um serviço que traz pouco orgulho ao país. Mas veja-se: se já me perderam uma carta, de pouco adiantará escrever outra, de Reclamação, para enviar aos dinamarqueses!! Às tantas, passo a escrever bilhetinhos, enrolados em garrafas, e mando mensagens de saudades a nado!
(Pergunto-me se todos os amigos a quem já escrevi postais os terão mesmo recebido...)
Enfim, cá fico mais uns dias à esperança que a carta salte de um canto esquecido e me caia na lata do correio, ou então terei de voltar às filas de espera...
Ah! Não me tomem por muito desanimada! Isto é só uma constatação com muitos pontos de exclamação!!! Amanhã é outro dia, e o carteiro não deve ir de férias tão cedo...
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Com ou sem o meu Número, o Outono avança, cheio de cores extraordinárias e com dias de sol encantadores. É verdade, continuam uns dias mesmo muito bonitos.
Esta manhã, depois de umas limpezas e arrumações no quarto, dei-me ao luxo de tomar o pequeno-almoço no jardim, e pareceu-me uma manhã de Verão de S. Martinho - limpa, luminosa, morna.
Na mão direita ia a chávena de café, na esquerda um livro de Mia Couto: Um Rio chamado Tempo, uma Casa chamada Terra. Fiquei lá fora a ler. E estou a gostar.
Mia Couto de dia, Hakan Nesser à noite. Himmel över London. É fácil de perceber porquê: ler em sueco demora muuuuito e percebo muuuuuito...pouco! Assim sendo, o sono acaba por vir (para quem não sabe, eu tenho mau dormir - todas as estratégias são válidas para ir ao encontro de uma noite de sono boa).
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Vem aí um fim de semana em grande e não prometo "filetes" para os próximos dias. Mas adianto que amanhã ao jantar farei sopa de peixe e arroz doce para a sobremesa.
A cozinha portuguesa faz os encantos da família Langström (já sabemos que o "a" tem uma bolinha por cima), e preparar-lhes o jantar à 6.ª feira é o mínimo que posso fazer como reconhecimento pela sua generosidade diária.
Bom fim de semana! Stora kramar!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Ah, não olhem para mim assim, que eu tinha avisado! São demoras de quem empreende




Sim, bem sei que foram vários dias sem escrever, mas eu avisei que isto de "blogar" não era hábito para os dias todos...
Ocupei-me com uma tarefa que deu que fazer, mas que também se tornou num bom desafio: estive por cá a rever um livro dedicado ao Empreendedorismo. Obra escrita, mais de coração do que de fórmulas e números, por um grupo de mestrandos, em Lisboa. Pessoas cheias de esperança, acima de tudo. Gostei de os ler!
E aprendi. Pela parte que me toca, vou empreender um bocadinho todos os dias e manter as mangas arregaçadas pelo espírito positivo.
Há que acreditar que pequenos grandes gestos hão-de fazer diferença.
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Gestos. Dos que viajam. Voyage du Geste, a Montemorense, a número VI. Soube que correu bem e que teve, se não outros, pelo menos os poderes de cativar, revelar e emocionar seres humanos.
... Vir para Norte teve e tem os seus preços - um deles é não poder juntar-me aos Gestos no Sul. Tenho a certeza que teria amado a experiência das Pessoas, das Artes, das Linguagens. Fico feliz pelos que não encontram palavras - o "indizível", neste caso, é muito bom sinal.
À Propositário Azul, um abraço com muitos quilómetros, pela coragem gigantesca dos seus gestos persistentes e que proporcionaram essas duas semanas. Maria João, Hugo, Rosa e Todinha, um Obrigado especial para vocês. Sei que o mundo hoje vos está ainda mais grato!
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O Mundo? O Mundo é uma criação muito curiosa. Do tipo fascinante e imprevisível. Troca-nos as voltas, em suma.
Anda, pois, meio mundo preocupado com o meu termostato integrado: "então, já andas geladinha?", "tu vê lá os frios!", "espero que os gelos não lhe roubem a boa disposição" - e eu aqui, na boa! Quer dizer, na boa, na boa... mas com um casaco por cima.
A verdade é que, quando já se esperava que o Sol tivesse abandonado estas terras, eis que brilha uma luz maravilhosa num céu em tons de azul divinal. As fotografias não me deixam mentir, foi assim o fim de semana em Söderköping!
E todavia, agora que escrevo, só para me contrariar, ouve-se o vento lá fora e chegam umas nuvens incontinentes para borrifar a noite. Isto significa que, amanhã, nas ruas e quintais haverá mais folhas amareladas e vermelhas, desordenadamente caídas por toda a parte, e milhares de maçãs esborrachadas, à força e com gravidade (efeitos de que o sr. Newton não tem culpa). No ar, haverá um cheiro levemente adocicado a fruta em estado de pouca graça e sem salvação.
Coisas típicas de um perfil outonal.
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Lembro-me dos primeiros anos de escola - ou de "máquina maluca", como carinhosamente lhe chamámos lá em casa - na Conde Ferreira. Nesse tempo, por esta altura do ano colocava-se-me um inconfessado problema ortográfico: entre Outubro e Outono, qual das palavras tinha mais Us.
Vá lá, a nova imposição ortográfica não ter vindo mudar estes dois vocábulos, agora que já os sei escrever!
Mas este linguajar todo serve para partilhar que este Outubro é de excelência, porque ao primeiro dia do mês, os Vivis (com o devido respeito, os meus progenitores das boas famílias Serranito e Guita) vêm visitar-me! Fico capaz de gritar Viva a República! por conta dos bons encontros que um feriado pode proporcionar!
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Por falar em feriados: dias de fazer pouco ou coisa nenhuma (ou não!).
Lendo os jornais, vim a saber de uns quantos directores gerais ou conselheiros do governo sueco que recebem 75000 coroas ao mês (quaisquer 7500 euros servem para converter o valor) por terem muito pouco que fazer - "De har mycket betalt - och lite att göra". Irónico mesmo é que, poucas páginas mais à frente, no mesmo jornal que denunciava as contas mal feitas, aparecia uma oferta de emprego: "Governo procura novo director geral para..." Laugh out loud! Mais um para dar destino a 75000 coroas mensais, quando quase todos os dias de trabalho parecem feriados!
Não haverá um desses directores entediados por nada fazer que se ocupe de me arranjar uma Autorização de Residência e um Personnummer, para que eu possa começar a TRABALHAR aqui?!?!
Até... Vem vet?

domingo, 18 de setembro de 2011

Varmt välkomna till Kulturnatten


Calorosamente bem-vindos!
Na rua, estavam 9 graus; na catedral, havia umas 400 pessoas, a 36 graus cada uma, se ninguém estivesse com febre... Portanto, veja-se que calorosamente bem-vindos foi, ao menos, uma expressão paradoxal para cumprimentar o público do útimo concerto da Kulturnatten, em Västeras.
Noite de Cultura. Eu cá perguntei, " se é noite de cultura, porque é que o último concerto é logo às 23h?" Os meus amigos não dizem... mas bem pensam que eu faço umas perguntas chatas, "abelhudas"! Desarrumo um pouco a casa. Ingen är perfekt.
Na verdade, foi um serão e tanto. As ruas da cidade cheias de gente, pequenas ou grandes mostras de arte em lugares inesperados; novos e menos novos, suecos, não suecos, cidadãos do mundo com ou sem Personnummer - estavamos todos lá!
De toda a parte vinham os sons de festa, de gargalhadas, de um "olha, vocês também cá estão!", de um "estamos aqui perto de... venham cá ter!", de um "o que é que vamos espreitar a seguir?". A este último comentário, estou certa de que várias pessoas responderam "vamos à catedral, que o Mariakören vai cantar às 23h."
...
O João Luís usa a palavra certa: a emoção de um concerto sem o Coral de S. Domingos foi unheimlich, uncanny. Segundo o descreveu Freud, não tem de ser um mau sentimento: é apenas o estranhamente familiar ou o familiarmente estranho. De um ou de outro lado dos sentidos, foi bom! Entre latim, inglês e NORUEGUÊS, sob a direcção de Agneta Sköld, cantou-se e encerrou-se a Kulturnatten 2011 na Domkyrka. Depois veio o fogo de artifício!
Obrigada a quem pensou em mim, a quem confiou que eu daria conta da tarefa, a quem comentou no Facebook.
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10% de inspiração e 90% de transpiração - fala-se disso, não é? Não discordo. Fitas de suor escorreram enquanto cantei!
Ainda assim, 10 é uma percentagem demasiado pequena e injusta para representar a inspiração que recebi durante a tarde. Porque foi, de verdade, inspirador o recital de Händel a que assisti em Estocolmo, também ontem.
Dame Emma Kirkby no papel de Susanna! Sim, é impressionante! Mas houve mais: as restantes personagens do Oratório, assim como os instrumentistas e o coro foram todos muito (jätte, mycket!) bons!
(Grattis igen, Evelina!)
Pois assim em tão bom estado de alma, daqueles que a Música sabe gerar de forma única, até uma pessoa fica com vontade de cantar melhor. Pode não resultar... mas fica a intenção, certo?
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Vem vet? Jag vet inte. Não sei quando deixarei aqui as próximas linhas, porque me espera uma semana com várias tarefas.
Assim, desejo já uma semana boa - votos com efeito slow motion, para durar até 6.ª feira!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Se a bateria chegar


Neste momento em que começo a escrever, tenho 1h que me resta de bateria no computador. Terei de pensar rapidamente no que quero rascunhar, porque assim que esta criaturazinha fizer soar o primeiro "zi", dou por terminada a minha missão. [Não, não é "pi", é "zi"! porque o meu netbook já fala estrangeiro. Pois.)
Foi uma 5.ª feira fresca, de chuva e sol ao mesmo tempo (alguém me explicaria aquele ditado que envolve bruxas e pão e meteorologia), e sobretudo de muito estudo.
Eu explico: logo pela manhã, costumo ler o jornal. Sim, sim: ler efectivamente o jornal! A tarefa não é fácil, já que, enfim, são todas notícias muito... em sueco. E dá trabalho ler e compreender. Entre o dicionário e o Kenneth, vou esclarecendo vocabulário - e tanto o dicionário como o Kenneth têm cá uma paciência!
Acontece, como aconteceu hoje, que o jornal se torna apenas no "aquecimento" duma suada maratona de exercícios de gramática, listas de verbos, mais exercícios do livro de textos... E nisto passo horas.
Uso uma caneta azul turquesa para os verbos, uma Bic para substantivos (com um pontinho cor-de-laranja atrás), verde para todas as palavras cuja escrita não é evidente e a que preciso de dar atenção especial. O lápis sublinha textos e escreve significados. Pois, é verdade, fica-se um pouco tonto só de ver tantas canetas e tantas cores passearem em cima da mesa. Destapa ali, tapa aqui, sublinha do outro lado. Mas é uma espécie de método. Mais ou menos.
30 minutos de bateria.
Chegou de Montemor uma caixa de marmelada feita pela minha mãe. A primeira deste Outono. Apesar de ser, naturalmente, confeccionada com marmelos (ou gamboas, talvez), por aqui chamámos-lhe um figo! [Há jogos de palavras desnecessários, não é? Prometo vir a ser comedida nestas veleidades. Pois.]
E o saquinho de poejo seco, que também vinha na encomenda, já hoje foi útil para fazer um chá adoçado com mel, a bem da saúde da Birgitta. É que os ventos outonais das terras de Sua Majestade Carl XVI Gustaf são perversos para as gargantas e narizes!
22 minutos.
E falta também pouco para um fim-de-semana emocionante.
No sábado à tarde assistirei, em Estocolmo, a um concerto protagonizado por um Ensemble de música Barroca, de que faz parte a Evelina (a "irmã mais velha" da família que me acolhe). Como se só isso não bastasse para ser um evento especial, acrescentemos-lhe outra cereja: o facto de contar com a participação da soprano britânica Emma Kirkby. Estou certa de que será memorável.
Terminado esse concerto, tomaremos o caminho de regresso a Västeras. Cá, às 23h, hei-de vestir pela primeira vez o traje do Mariakören e cantaremos na Catedral. Aqui na cidade, há sempre uma noite de sábado em Setembro com o nome de "Kulturnatt", e há cultura por toda a parte, até às tantas!
Peço que me desejem boa sorte, porque entre o reportório (que ainda não está arrumado na pasta) figura uma peça norueguesa! Muito bonita, é certo - mas se tiver em conta que passo horas a estudar sueco e que ainda não domino essa ciência, que direi da língua norueguesa?...
Pronto, cá está o "zi" que eu aguardava (parece que soa em Lá).
Se a bateria chegar, ainda deixo abraços e votos optimisticamente antecipados de um bom fim-de-s...

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Da Iglo, do Pingo Doce... ou do quintal




Atravessar uma fronteira, seja ela a que distância for da nossa casa, é garantir que se afina a objectiva da observação e da atenção que prestamos às coisas, mesmo às mais triviais. Quer dizer, pelo menos a mim é o que tem acontecido.
Aqui ao Norte, um rótulo de um produto diz muito. Se é legume, saberemos se é biológico. Se é peixe, saberemos onde é pescado e se é certificado. Se é pão, saberemos se é saudável. Se são leite, queijo ou iogurtes, os rótulos dão a conhecer se se trata de produção sustentável e que percentagem de gordura contém o produto. Eu chamar-lhe-ia quase "texto literário do consumidor". Mas o que parece ser facto é que toda a informação visível ensina, de algum modo, o consumidor a comprar o que é melhor para a sua saúde. E sim, colocam-se questões sobre preços, mas acabará por vencer o lado salutar da compra.
Vejamos os congeladores dos portugueses (vão lá espreitar, que eu espero...).
Pronto. Estava ou não estava lá um pacotito de salsa picada ultracongelada da Iglo ou do Pingo Doce? Bem provável que sim.
Pois hoje, entrou na cozinha um molho, mas um senhor molho, de salsa fresca e mega-biológica vinda do quintal. Quase não se via a Birgitta por detrás do mato aromático!
A bendita erva para bons temperos cresceu lá fora durante as semanas de Verão, e acaba picadinha, guardada em pequenas caixas no congelador, numa reserva que deve durar até à proxima Primavera. Assim fazem as formigas das fábulas. É bem visto!
Não é que se trate de uma grande descoberta, bem entendido. Na casa dos Guitas também aprendi a fazer reserva de produtos de boas quintas e nas épocas certas (longas tardadas, vi eu, a descascar ervilhas e favas e arranjar beldroegas, para depois congelar!).
O que prende mais a minha curiosidade, de facto, é que, na Suécia, o acto de preservar a saúde e a natureza em simultâneo é verdadeiramente consciente. Já em Portugal, ainda há bem pouco tempo os anúncios televisivos ensinavam a separar o lixo em 3 cores...
Lá está, chego ao fim das "premissas" sem lhes querer atribuir nenhuma conclusão retumbante. Ainda assim, foi a forma que encontrei de homenagear gestos sustentáveis que são de louvar.
E fica o olfacto com o protagonismo do dia, já que a inspiração de hoje foi o cheiro a salsa.

sábado, 10 de setembro de 2011

Em vez de ódio, mais amor


Quando aterrei aqui, encontrei um país em choque, com o coração encostado à vizinha Noruega.
Os atentados de Julho pesaram sobre o estado de alma dos suecos, incrédulos e tristes, e passado um mês sobre os acontecimentos indizíveis, a televisão transmitiu uma cerimónia de homenagem às vítimas.
Sei que a palavra Bondade se repetiu. Sei que não se falou de vingança nem de ódio. Falou-se de mais Amor. Cantou-se e recitou-se poesia. Em dado momento, leram-se os nomes das vítimas; mais de 12 minutos de nomes com uma condição em comum: terem partido demasiado cedo. No final, a orquestra não tocou um Requiem.
Pois sim, poderemos perguntar se os corações dos familiares enlutados conseguirão estar em paz com o pesadelo que lhes foi imposto! E cada um de nós terá a sua teoria sobre o que o sr. Breivik merecia...
As figuras do Estado norueguês, porém, agiram e agem com os olhos postos num sistema de Justiça que funciona (assim me dizem, e eu acredito), emocionaram-se e pediram mais Bondade e mais Amor para tornar o país ainda mais seguro, justo e democrático.
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O fenómeno do tempo que voa pode ser perturbador.
Ficará para o "filete" de outro dia falar dum livro que sempre recordo a propósito de tempo; mas hoje, o que me está no pensamento são os 10 anos que se consumiram entre 9/11 de 2001 e 9/11 de 2011.
Há 10 anos eu era estudante; ainda fazia malas todos os domingos para ir para Lisboa; ainda não havia cartão Lisboa Viva nem comboio em Almada; o José Saramago ainda vivia; pouco sabia de criações literárias de horror e terror e nunca tinha lido Don DeLillo; ainda não conhecia a Rua da Barroca nem prestava atenção à Rua das Piçarras; não tinha tido a honra de escrever um prefácio para um amigo; muitos amigos meus ainda não tinham casado nem tido os seus filhos lindos... Acontece mesmo muito em 10 anos!
Estava em casa quando, na televisão, vi as imagens surreais de 2 torres feitas fumo...
Nesse dia e nos dias seguintes, as cinzas misturam-se com lágrimas e flores e tristeza e "desnorte". O mundo quase todo encostou o coração aos EUA.
No entanto, não tenho memória de ouvir as palavras Bondade ou Amor, e sei que se repetiu a palavra vingança.
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Não sei, não tenho nenhuma conclusão evidente a tirar. Só quis assinalar este 11 de Setembro.
Mesmo perante as evidências, não imaginam o que me custa a crer que, sobre o mesmo chão que dá árvores, flores e frutos, aconteçam episódios assim, de que nem sei falar...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A lua vista daqui


A lua. Sei pouco sobre ela.
Em Patalim, quando era miúda, procurava-se o fresco nas noites de Verão e davam-se passeios quase às escuras, apenas com o luar e as estrelas a servir de candeias.
E então era certo que lá vinha uma lição de astronomia, com o dedo indicador do pai academicamente apontado "p'r'áli": os meus olhos tentavam rolar até às Ursas, e perdiam-se bastante pelo caminho (viam ursas onde nem havia estrelas!).
Já a lua, era e é um ponto fácil de encontrar, e daqui também se avista. Hoje está em quarto redondamente crescente.
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A lua... Sei pouco sobre ela, mas acho-a bonita. Sem sorriso, nem bocejo, nem pijama, nem gorro, como a pintam nos livros de histórias. É bonita ao natural.
Parece-me que guarda uns segredos muito seus, mas os tons de mistério ficam-lhe bem, vão usar-se muito na próxima estação.
No começo da fase crescente, a minha imaginação (dê-se o desconto, por ser imaginação e por ser minha) transforma a lua numa unha, redonda e bem cuidada, que coça as estrelas ou as comichões do céu. Dá jeito!
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E o que a música sabe sobre ela? Isso é o que vale a pena no "filete" de hoje!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Não, não: o telemóvel é LG, os pneus é que são Nokia!


Três, dois, um... PRONTO, PRONTO, eu confesso: JÁ NÃO SEI ANDAR DE BICICLETA!!
Quem é que diz aquilo de "ah, isso quando se aprender, nunca mais..."?! Nunca mais quê?! Ah, pois não!
Mas como estou entre amigos, esta amnésia há-de passar.
O senhor Langström (o "a" devia escrever-se com uma bolinha em cima) esteve esta tarde a renovar uma bicicleta, com a intenção de me ajudar a recuperar algumas faculdades motoras aparentemente perdidas.
Um dos pormenores importantes a reter é que se trata de um veículo com dimensões "abaixo do sueco", isto é, uma bicicleta mais "pecanina" para pernas menos altas.
O outro detalhe importante é a marca dos pneus: NOKIA.
Quem sabia, diga "Eu sabia!"
Pois olha, eu não sabia que um dos primeiros negócios da tão famosa marca tinha sido a produção de objectos de borracha. E bons que são, os pneus!
Fiquei entretanto a saber, também, que os pneus normais são proibidos durante o inverno, caso contrário as ruas suecas tornar-se-iam espectáculos desastrosos da Disney On Ice. Logo, os pneus Nokia têm umas aplicações metálicas, como pequenas esferas pontilhadas ao longo do círculo de borracha, que permitem uma circulação mais segura na neve, no gelo, ou noutras adversidades atmosféricas (contra o nevoeiro devem garantir muito pouco...).
Amanhã de manhã, quando os cidadãos todos da rua estiverem bem longe daqui, em segurança nos escritórios ou salas de aula, vou praticar. Pelos gatos, não me responsabilizo. Pelas maçãs tombadas no chão, não respondo.
Pelo sim, pelo não, hoje mostraram-me onde fica a gaveta dos primeiros socorros.
E se eu não escrever mais "filetes" esta semana, lá para 2.ª feira telefonem a saber se estou melhor dos joelhos, dos cotovelas, etc. e ti-nó-ni- ti-nó-ni.
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Para a vila de Ançã vai um beijinho especial. Saiba-se que cá chegou hoje um pão de Ançã. Aposto que em nenhuma outra parte da Suécia se tomou fika com leves fatias de paladar a limão doce vindas de Portugal.
NOKIA: Connecting People?!? Connecting People é ensinar aos amigos suecos que o pão de Ançã vai bem com um bocadinho de manteiga. E eles acham que eu tenho razão.
Obrigada, Vivis, pelas doces encomendas e pelos beijinhos, superiores a qualquer iguaria.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Bastidores


Está a meia-noite à espreita. 6 de Setembro chega daqui a pouco. 1 mês na Escandinávia.
Tal como à chegada, chove. E se, no início, ainda era chuva para vinha e ia, desta vez suspeito que é água para ficar. Vejam bem, o Outono saiu dos bastidores!
A partir de agora, os dias serão como algumas peças de roupa lavadas a 60 graus: encolhem depressa. Parece que cada semana deixa ficar pelo caminho mais ou menos 30 minutos de luz. Em breve, todas as velas da casa serão poucas para lhe dar um ar acolhedor, uma luz quente e familiar.
A mim, para já, agrada-me o cenário, porque faz sentido nesta latitude e longitude. Que seria um país do Norte com calor e bananeiras??!
Diga-se, então, que sou pouco fã de ir às compras, mas já não posso adiar por muito mais a busca por um casaco e botas de borracha, e de Montemor virão umas camisolas (tröjor) que não couberam na bagagem.
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Hesito em criar comparações, porque me agrada pouco a ideia de escrever lugares comuns... Mas vou ousar dizer que uma nova estação é como um actor que sai de bastidores e entra em cena. Esteve alguns meses a preparar-se, estudou o papel, decidiu as cores do guarda-roupa - e, no momento que lhe é devido, vai entrando, apropria-se gradualmente da cena e adquire um protagonismo incontestável.
Penso mais: não são também um pouco assim, os sentimentos? Não há sempre um em nós que parece o protagonista, que ocupa o maior espaço?
No entanto, nos bastidores, o coração tem outros sentimentos à espera. Quando for altura, deixarão de ser meros figurantes; a seguir, o papel secundário; e, com toda a legitimidade, transformar-se-ão nos principais.
Estas trocas no palco, às vezes, são coisas que acontecem num mesmo dia, quem sabe se mais do que uma vez! Podem, porém, demorar mais tempo. Pode o protagonista "tristeza" ou "inquietude" ou "incerteza" querer habituar-se à ribalta - ah! mas o Óscar não há-de ser desses, não!
Dos bastidores sairão a alegria, a paz, a serenidade, a boa loucura, o amor, a "pica toda"...! E esses até costumam ser sentimentos altruístas - partilham a boca de cena com mais dois ou três dos bons!
E isto eu sei! Det vet jag faktist!

domingo, 4 de setembro de 2011

A avó Vitalina e o Skype


Dormir sem despertador é uma liberdade que tenho tomado q.b. no último mês. Ando a tentar recuperar noites e sonos que ficaram por acontecer no ano lectivo passado. Às vezes durmo mais longamente, outras vezes nem tanto. É aproveitar agora, enquanto não surge um emprego que me traga a alvorada às 6h, ou um pouco antes...
Mas hoje, já acordada, reparei no dia de sol lá fora (melhor dizer "dia com sol", fica meteorologicamente mais próximo da realidade) e fiz companhia à Sofia até ao Mercado de Outono, em Valby.
A feira ocupava o espaço de um museu ao ar livre - na Suécia, dá-se este nome a parques nos quais se reúnem casas de várias épocas e representativas de diferentes classes sociais e grupos profissionais, para não perder a História e a arquitectura do país. São bonitos, estes museus.
Lãs, linho, mel, guloseimas, legumes, farinhas, artesanato, música tradicional, danças de outros tempos: havia ali um pouco de tudo!
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Em Montemor, mais ou menos à mesma hora a que eu me passeava em Valby, a minha família comia "leve, levemente" um arroz de cabidela, e mais que nem sei! Enfim, Domingo de Feira, bom pretexto!
Para digestivo, aguardavam um encontro comigo no Skype.
Foi então hoje que a avó Vitalina experimentou isso das chamadas de borla, com imagem e tudo! (o avô também terá gostado da ideia, dado que é um senhor cauteloso nas despesas, e oportunidades gratuitas soam bem!)
Que emoção, ouvir o meu avô e a minha avó, espantados com as minhas bochechas (segundo ela, mais rechonchudas que antes.... Ai!!). Até a voz lhes falhou e um grãozinho de pó lhes fez molhar os olhos...
Que surpresa, ouvir a minha querida avó Tupperware experimentar um Hello, e arriscar mesmo uma tacada de sueco, dizendo à Sofia que era a minha mormor!
Olha, avó, não te contei (para não "perder o pé" às emoções, que as saudades já são muitas...), mas a maestrina do coro daqui tem um rosto parecido com o teu - lembro-me de ti e do avô mais vezes do que possam pensar.
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Boa semana!

sábado, 3 de setembro de 2011

Talvez "olhos de chávena"...



A Birgitta prepara um "muesli" caseiro magnífico! Acho que ainda não tinha falado nisto, mas impõe-se elogiar a deliciosa mistura de cereais e outros ingredientes, que deixa um cheirinho guloso na casa, aos domingos à tarde. Além disso, torna-se impossível ignorar o pequeno-almoço - essa refeição tão importante que eu, frequentemente, desprezava - tendo à mesa esta oferta nutritiva.
Pois foi com esse "muesli" que comecei este bom sábado. E não digo bom por acaso.
Parti para Estocolmo para ir almoçar com uns amigos: a Catarina, o João e a Natália. A vista do restaurante Hermans é lindíssima, já se vê, e a predominância vegetariana da ementa veio muito a calhar. Obrigada pela sugestão, Catarina!
O céu, que tinha muito azul à vista antes do almoço, foi-se perdendo nos múltiplos cinzentos das nuvens, mas foi a agradável cobertura de um bom passeio e de uma tarde de muita generosidade.
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Já sozinha, vim andando até Gamla Stan e reparei num cartaz: concerto do Radiokören na Storakyrkan, às 15:00. Olhei para o relógio. Estava na hora, e ainda me faltavam muitos passos para lá chegar.
[Só para nos situarmos todos, o Radiokören é o único coro profissional da Suécia e considerado o melhor do país. Nele, canta a Helena, prima da Birgitta, que se calhar também sabe fazer "muesli" e que, sem nunca me ter conhecido, me tinha já enviado mails a apresentar-se, amavelmente, como membro da família.]
A porta imensa da igreja já estava fechada, pois claro. Dei a volta. Nas traseiras, devidamente apetrechado, encontrei um "estúdio" da SverigesRadio, com certeza a gravar o concerto.
Lá de dentro, saiu uma moçoila com uma máquina fotográfica nas mãos e, respondendo à minha pergunta, limitou-me as esperanças: «Não, acho que não vais conseguir entrar...Mas tenta! Boa sorte!»
Dei de novo a volta à igreja, e a meio do percurso resolvi encostar o ouvido a uma porta. Sei agora que o que pude escutar era a antepenúltima peça do concerto. Que bonito! Mas... desolada por não estar do lado de dentro.
Voltei para trás. A moçoila da máquina fotográfica já não estava sozinha. Perguntou-me, «Conseguiste?». «Não... E tenho mesmo pena. Cantam tão bem!»
Nisto, o acompanhante da fotógrafa estendeu-me um pequeno auscultador: «Não é a mesma coisa, mas pode escutá-los aqui». E sorriu. E eu agradeci. Generosidade n.º1.
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Numa casa giríssima que há na Rua das Piçarras, usa-se bastante uma expressão, "olhos de chávena", que define um certo tipo de olhar, inspirador de empatia e solidariedade, sendo útil, por exemplo, para pedir chávenas oferecidas nos cafés ou restaurantes (note-se que se trata de chávenas de design especial).
Ora, não sei se terei mostrado os meus "olhos de chávena" em Estocolmo esta tarde... É certo, porém, que enquanto escutava o concerto da igreja com um insectozinho de borracha no ouvido, desabafei com os meus dois novos companheiros: «Uma das sopranos é uma 'espécie' de amiga minha, enfim, prima de uma amiga. A Helena! Esta teria sido uma ocasião perfeita para a ouvir e conhecer pessoalmente...»
Então, o meu amigo do auscultador voltou a sorrir e disse-me: «Vem comigo, vou deixar-te ir lá dentro e podes conhecer a tua amiga no final!» Voltou a sorrir. Generosidade n.º2.
Segui-o, e em menos de um minuto estava sentada na igreja, num recanto privilegiado, bem perto do coro, a escutar as duas últimas peças.
No final, apertei a mão ao maestro. «Já agora, onde posso encontrar a Helena?»
Foi um feliz encontro com a prima da Birgitta. Definitivamente, esta família tem pessoas muito amáveis, que tornam a amizade possível apenas com um instante. E se houvesse tempo, acho que poderíamos ter ficado horas a conversar.
Sei que não faltarei ao próximo concerto deles em qualquer cidade próxima!
Antes de sair dali, voltei ao "estúdio" das traseiras. «Muito obrigada. Não vou esquecer a tua(Tua) Generosidade.»
E o dia continou bem.
Passem à frente os primeiros 6 minutos de conversa, e escutem o concerto desta tarde: http://sverigesradio.se/sida/artikel.aspx?programid=2482&artikel=4677927

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Restlessness


Isto de as línguas serem diferentes em toda a parte é um fenómeno que eu digo fascinante... mas outros poderão carimbar com adjectivos diversos, como lhes aprouver.
A verdade é que nesta inauguração de Setembro (chuvosa em Montemor, ouvi dizer...), bons amigos meus fizeram anos!
Ora, a pessoa que vive no "estrangeiro" sempre quer dar um ar de sua graça com o exotismo da nova língua, e deseja aos seus queridos um feliz "födelsedagen"! E devia ser um voto "gripande"!
Nisto, o dia passa e a pessoa pensa, "assim que escrever aqui umas linhas, vou 'sova'".
Pois que 'sova' não tem nada de violento, a menos que se tenha insónias e não se consiga 'dormir'; e 'gripande' não tem pingo no nariz nem nada, porque quer dizer 'emocionante'.
Com estes desafios vocabulares, instala-se um grande desassossego nas sinapses, que precisam de trabalhar horas extraordinárias para dar conta de tanta informação! Que saudades de ler português!
Precisamente carregando esta saudade da língua de Camões (e quem diz Camões, diz Professor Cebola ou Manuel Justino ou João Luís Nabo ou Alface ou...), procurei a biblioteca da cidade e as prateleiras dos autores portugueses . Encontrei poucos.
E então, de novo, o desassossego: precisarão de alguém da terra de Saramago que lhes aconselhe outros autores? Fará falta alguém vir aqui dizer umas coisas sobre literatura portuguesa? O pior que pode acontecer é dar-lhes uma "sova" - pôr, portanto, os suecos a dormir por lhes falar de livros.
Pois, no melhor espírito empreendedor que há em mim, agarrei e fui mesmo perguntar. E desconfio que já no dia 14 de Setembro farei um recital de música portuguesa / literatura na biblioteca da cidade.
Eu, que ainda ontem tinha pensado render-me um pouco à quietude... olha, lá arranjei mais um desassossego para me entreter.
Mas reconheço que a preguiça é um estado de respeito.