domingo, 1 de novembro de 2015

POR SER DOMINGO...

... não apetece fazer nada. Há, porém, a inevitabilidade de vir aí a segunda-feira. Em Västerås, a noite vem cedo e já começa a sentir-se o amanhã.



... há uma semana de trabalho mais ou menos planeada, mais ou menos sob controlo, mas que requer uma revisão mental. É desculpa para um chá quente e uma turma de cada vez no pensamento, intervalada por uma bolachinha.

... foi dia de ir à missa e de tirar, pelo caminho, umas fotos ao Outono que está a dar de resto.






... fica para trás um fim de semana que, na verdade, foi prolongado e que permitiu visitar amigos fora da cidade. 
     Num daqueles lugares onde Judas pode ter perdido as tais botas, vive uma amiga que se dedica ao teatro e à música por puro amor à camisola - sim, há generosidades e talentos desses em todo o lado! :) E foi assim que fui à revista!





... desejo a todos uma boa semana.


terça-feira, 27 de outubro de 2015

"Ja må hon leva!!"

A fotografia basta para saberem como é bonita. Basta para saberem o quanto gostamos dela.
Esta jovem, cuja idade não vou desvelar, é a minha, a nossa Avó Vitalina.


A fotografia bastava, mas eu não consigo não contar mais um pouco.
A avó Vitalina era sempre aguardada com muita expectativa lá em casa, e era um pagode dormir com ela numa cama feita no chão (um pagode para mim - ela não dormia nada, porque eu dava demasiados pontapés).

A avó Vitalina amornava-me sempre leite numa pequena chávena (branca com uma risquinha roxa e um malmequer) e adoçava com uma colher de açúcar - à noite, em pleno Verão.

A avó Vitalina tinha sempre coisas novas nos armários para eu explorar a cada visita à Cova da Piedade. E a despensa era um lugar fascinante.

A avó Vitalina levava-me cedo para a praia todos os dias entre Julho e Agosto (todos os dias não; o avô Manel partilhava esse tacho com ela). "Verinha, vamos apanhar o autocarro a Cacilhas, que ainda há lugares para irmos sentadinhas". E cada dia representava um risco novo feito num papel reutilizado. "Filha, sabes quantos dias já foste à praia? 20! Temos de contar ao teu pai quando ele ligar logo à noite."

A avó Vitalina tem medo do mar e água pelos joelhos já era um abuso; para me afastar da ondas, levava uvas para a praia.

A avó Vitalina tem uma paciência....

A avó Vitalina sabe que o meu gelado preferido é o de pêssego que ela faz.

A avó Vitalina gosta de café com leite, acompanhado de pão e queijo, e adora azeitonas, mesmo que vá repetindo entre cada caroço "Não posso, que elas fazem mal!"

A avó Vitalina domina os transportes da TST e Carris como ninguém, e ensinou-me a conhecer Lisboa pelos números das carreiras.

A avó Vitalina levantou-se todos os dias, durante os seis anos que estudei na faculdade, para me perguntar se precisava de alguma roupa passada ou se queria que me fizesse o Nestum do pequeno almoço (sim, eu comi Nestum Mel até aos 23 anos!!)

A avó Vitalina é a mulher com mais sentido de marketing natural que conheço e é uma vendedora de Tupperware como não haverá outra.

A avó Vitalina finge não perceber quando lhe dizemos que não queremos mais comida no prato, mas é, na verdade, uma ouvinte extraordinária e muito sensata.

A avó Vitalina é uma mulher-menina que ainda gosta de brincar ao Carnaval como gente pequena, com máscara, com pastéis de grão "marotos" e muitas estórias de carnavais antigos para contar.

A avó Vitalina é um exemplo de boa disposição, e tem uma gargalhada e uma capacidade de rir de si mesma que é invejável.

A avó Vitalina nunca pensou ter uma neta emigrante. E como tem medo de andar de avião, só lhe posso mostrar por fotografia "como é que é lá".

A avó Vitalina é muito mais do que isto, no passado e no presente. E não o é só para mim.

A avó Vitalina tem ao lado um avô Manel, e são uma dupla capaz de me fazer escrever uma lista bem mais longa do que esta.
Parabéns, avó Vitalina!

sábado, 24 de outubro de 2015

Telenovela brasileira e código da estrada

Não consigo localizar no tempo, mas sei que na minha infância passou uma telenovela brasileira em horário nobre onde se repetia a frase "Mininos, eu vi!!..." A recordação tomou-me de assalto (que lugar comum, Deus nos livre!) quando, na Suécia e à luz do dia, um automobilista trai deliberadamente o compromisso com um sinal vermelho.
Estou a falar-vos de um cruzamento de respeito que, por mero acaso, naquela ocasião não tinha muito movimento. O dito condutor deteve-se, na verdade, à luz vermelha por uns segundos; mas vai daí, talvez achando que o tempo não é para ser desperdiçado a obedecer ao código da estrada, pisa o perigo e o acelerador e entra no cruzamento.
Não, ninguém me contou. Não houve vítimas. Passou depressa. Mininos, eu vi!


Os passeios perfeitos para ir comprar clementinas






A clementina perfeita


Comprei umas tangerinas no supermercado esta semana. Porque gosto mais da palavra clementina, vou chamar-lhes antes assim. Que eu saiba, não há nenhuma autoridade que possa processar-me por alteração de entidade de um citrino.
Comprei, portanto, clementinas. No pensamento tinha a imagem, desejada ao microscópio, do momento em que a unha dum polegar ajuda a sulcar o primeiro pedaço irregular da casca - a clementina perfeita, nesse instante, vaporiza gotas de sumo quase imperceptíveis e exala um perfume que perdura, por uma breve eternidade, na ponta dos dedos.
Depois, a antecipação dos gomos - terão caroços? E a seguir, a degustação: uma espécie de cerimonial onde o sabor me deveria levar a um dia de Outono no Alentejo.
As clementinas que comprei não eram perfeitas. Mas ir ao supermercado pode proporcionar um passeio de fenómenos estéticos que pelo menos quatro sentidos podem saborear.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Vou-lhe chamando "Obstinação", para já. E esta é a sinopse da contracapa.

Revelo só mais umas linhas! Resultado prático do exercício: cinco palavras novas.




Ester Nilsson tem 31 anos. É poetisa e enssaísta e uma pessoa razoável numa relação razoável. Num dia de Junho recebe um telefonema pedindo que apresente uma palestra sobre o artista Hugo Rask. Entre o público está o artista em pessoa, entusiástico, e depois da apresentação os dois encontram-se pela primeira vez.
A partir de agora, o que resta da existência de Ester está associado àquela conversa, segundo ela totalmente inofensiva. Dificilmente algo do que acontece mais tarde poderia ter causado outro efeito senão a cadeia de acontecimentos que ali tem início.

Entre Ester Nilsson e Hugo Rask começa uma espécie de história de amor, banal na sua simplicidade, sublime na sua completa devoção.

Obstinação é uma história sobre a vontade de nos iludirmos a nós próprios face ao desejo de sermos amados.

E então? 






segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Como se recomeçasse. Um "Da capo". Mas sem promessas. E depois, um telefonema.

Sem comentários à lonjura que separa este do último texto. Sem preâmbulos sobre as razões deste afastamento, e sem posfácios com compromissos de regresso. Só espero que estejas bem e que recebas o que agora vem :)

Estive em casa doente. Uma gripe. Seis dias, quatro dos quais perdidos na falta de energia, nos montes de lenços de papel usados, nas canecas sujas de chá com mel e gengibre. E proibida de falar, porque tudo começou com o sintoma ingénuo de voz arranhada. Mal sabia eu!
As minhas cordas vocais e eu temos andado em desarmonia; adoramo-nos e precisamo-nos, mas tem sido difícil conciliarmo-nos. Não tenho nem a profissão nem o tipo de gostos que se façam sem voz.
O resto do boletim clínico não importa agora. Estou melhor, e amanhã já vou trabalhar. Mas o que me traz de volta ao blogue aconteceu nestes dias de fastio - isso sim, é o que quero partilhar.

Se eu aqui colar uma coisa que tenho escrita:


Egenmäktigt förfarande – en roman om kärlek
Comportamento arbitrário /Obstinação – um romance sobre o amor
de Lena Andersson (2013, vencedora do prémio literário August de 2013)

Uma pessoa chamava-se Ester Nilsson / Ester Nilsson era o nome de uma pessoa. Ela era poetisa e ensaísta com oito cadernos densos/compactos publicados aos trinta e um (anos.) Intransigentes segundo alguns, lúdicos/divertidos segundo outros, mas a maioria nunca tinha ouvido falar dela.
            Com uma precisão assombrosa, ela via a realidade a partir da sua consciência e vivia na ambição de que o mundo era tal qual ela própria o via/sentia/experienciava. Ou, melhor dizendo, que as pessoas eram feitas de tal modo que viam o mundo tal como ele era, desde que estivessem atentas e não mentissem a si mesmas. O subjectivo era o objectivo e o objectivo era o subjectivo. Em todo o caso, era assim a sua demanda/ era este o seu esforço /era esta a sua busca.
            Ela sabia que a busca de igual precisão na linguagem era como um espaço trancado/fechado, mas procurava ainda assim, porque qualquer outro ideal tornava a demanda demasiado simples para os batoteiros e negacionistas do intelecto; aqueles que não eram suficientemente meticulosos para compreender a relação entre os fenómenos e como eles se faziam representar pela linguagem.
            Ela era, não obstante, obrigada a ver uma vez após outra que as palavras mantinham uma aproximação. Do mesmo modo que o pensamento, o qual apesar de construído por percepções sistematizadas/sistemáticas e linguagem, não era tão confiável como fazia parecer.
            As lacunas terríveis entre pensamento e palavra, vontade e expressão, realidade e irreal, juntamente com o que cresce/se desenvolve no meio desses hiatos – é disso que trata esta narrativa.
            Desde que Ester Nilsson aos dezoito anos de idade se apercebeu que a vida, ao extremo, corre para afugentar o tédio e, apontando nessa direcção, descobriu pelos próprios meios a linguagem e as ideias, nunca mais tinha sentido infelicidade, nem sequer um vulgar/normal abatimento/tristeza. Ela trabalhava permanentemente com a descodificação da natureza do mundo e das pessoas.  (…)
            Tinha vivido assim treze anos, mais de metade do tempo em relação harmoniosa e tranquila com um homem que tanto a deixava em paz como satisfazia as suas necessidades físicas e mentais.
            Depois, recebeu um telefonema.

Isto é um rascunho muito rascunho, um alinhavo grosseiro de uma tradução. Há frases cuja tradução mais fiel e/ou correcta ainda nem consigo decidir. Seria/Será o capítulo 1 de um livro lido há uns meses. Adorei! Mais que antes, percebi o quanto ainda tinha a aprender da língua sueca. Mais que antes, dei-me conta da beleza e da clareza de imagens que esta língua pode transmitir. Mesmo quando preciso de consultar frequentemente o dicionário e recomeçar um parágrafo inúmeras vezes.

Isto é, para já, um trabalho de casa ou um passatempo para aconchegar o Outono que começou. Mas se em alguma altura tomasse forma de um projecto mais sério... Vejamos: se tirasses de uma estante um livro que começava assim, querias saber mais?